Mitos da balística

Mitos da balística Quando se fala em balística, para começar, esqueça as cenas do cinema, principalmente à la Quentin Tarantino, por exemplo. Sabe aqueles trechos, onde um personagem qualquer recebe um único tiro de revólver ou pistola e voa três metros de distância? Então, esqueça isso! No mundo real a história é bem diferente. E quem vai desmistificar isso, é o professor e palestrante em balística e criminalística, perito criminal da Polícia Civil mineira, autor, Instrutor de Armamento e tiro, atirador esportivo e Graduado e Mestre em Engenharia Elétrica, João Bosco Silvino Júnior. O perito explica que não existe o chamado “stopping power” ou “um tiro, um tombo”, pelo menos não da forma como é mostrada pelos defensores de teorias como “transferência de energia”, “balas dum-dum” e outros mitos. João Bosco é categórico em falar que o poder incapacitador de uma munição deve ser atribuído a três fatores: localização, penetração, diâmetro. Ele exemplifica: “um homem adulto, pesando 75 quilos, parado, sendo alvejado por um tiro de calibre .45 ACP, será impulsionado a uma velocidade de apenas cinco centímetros por segundo. Isso, se ele estiver sobre uma superfície sem atrito! Esse impacto é irrisório!”, diz o professor. “O projétil não consegue impulsionar alguém para trás de maneira expressiva como muitos imaginam, independentemente do calibre! Ou seja, aqueles que pensam em não utilizar o .380 Auto porque imaginam que ele ‘não dá uma pancada forte o suficiente para derrubar’, podem desistir em procurar este efeito em outros calibres. Nem o .380 Auto dá ‘pancada’, nem o .45 ACP ou .357 Magnum!”, explica. Para exemplificar a questão do mito do impacto de tiro, o professor relata um episódio periciado por ele: “Uma vez, fui acionado para fazer uma perícia onde um cidadão recebeu um tiro de calibre .40S&W no antebraço, transfixou, acertou no tórax, saiu pelas costas. O sujeito correu três quarteirões e só depois caiu. Um único tiro, quatro orifícios. O que parou o sujeito foi o sangramento massivo decorrente das lesões e não o impacto do tiro. O que importa não é o quanto de energia será dissipada no alvo, mas como será dissipada. Tudo tem que ser analisado dentro de um contexto”, afirmou o perito. "Muitos desses mitos são reforçados por testes ineficientes", explica. Segundo ele, testes de tiro utilizando melancias, latas de refrigerante, plastilina, argila ou mesmo a gelatina balística, acabam por reforçar mitos, se não forem corretamente interpretados. “Ao contrário do que se diz, a gelatina balística não imita o corpo humano”, afirma o professor, “na verdade, ela é empregada por ser um meio uniforme, padronizado, que permite a repetição de testes e comparação de resultados em condições iguais.” Já os testes realizados em melancias e argila não refletem o que acontece, no corpo humano, explica João Bosco. Segundo ele, o melhor material para simular o corpo humano é o tecido animal, como um pernil de porco ou outras partes. Incapacitação por tiro O professor explica que a incapacitação balística tem dois aspectos: mental e físico. O aspecto mental está relacionado ao ímpeto da pessoa, ou seja, à vontade da pessoa combater, e isso é muito variável. Já o aspecto físico, independe da vontade, porque neste caso é o corpo que deixa de responder aos comandos do cérebro. “É neste ponto que temos que trabalhar”, explica. Segundo ele, a incapacitação física só é alcançada de duas formas: atingindo alguma região neurológica prontamente incapacitante, como por exemplo o Sistema Nervoso Central ou a coluna cervical alta, ou então, produzindo a perda de um grande volume de sangue. A explicação continua: "o poder incapacitador de um projétil se dá pela LOCALIZAÇÃO, ou seja, onde o tiro atinge e, para isso deve ser em alguma estrutura nervosa como o tronco encefálico, bulbo, cerebelo, coluna cervical; ou região bastante vascularizada para produzir um sangramento intenso. Além disso, é necessário que a PENETRAÇÃO seja suficiente para entrar no alvo. Ele ressalta que esse fator depende mais da massa e da forma do projétil do que da velocidade. E por último, há ainda o DIÂMETRO DA LESÃO, que envolve o tamanho do projétil e não do efeito temporário de expansão dos tecidos que ele produz. Desta forma, projéteis maiores produzem lesões maiores." Munições expansivas João Bosco ainda fala sobre a munição expansiva que, acredita-se, produzir um impacto maior e uma lesão maior no alvo. “Os dois conceitos estão errados!”, segundo o professor. Como o impacto de tiro é muito pequeno, é um engano pensar que uma munição expansiva produzirá um impacto maior. Já em relação à lesão maior, o professor explica que, no caso de calibres de baixa velocidade, que engloba as armas curtas, a distensão dos tecidos, chamada “cavidade temporária”, não é rápida o suficiente nem ampla o suficiente para produzir lesões significativas. Isso quer dizer que o resultado da lesão será correspondente ao tamanho do projétil. "Se o projétil expande, a lesão será maior, mas apenas o quanto maior se tornar o projétil devido à expansão”, conclui. Ainda explicando sobre a cavidade temporária, embora ela não seja rápida o suficiente para produzir lesões, no caso das armas curtas, ela não chega a ser lenta o suficiente para que haja a soma das cavidades temporárias, conforme preconizado pelos defensores do double tap, ou seja, dois tiros em sequência. A duração da cavidade temporária é, segundo estudos, de apenas dois centésimos de segundo, e nesse tempo, não é possível nem que a arma já esteja pronta para o próximo tiro. Um disparo , um acerto Outro mito que João Bosco fala é quanto à taxa de acertos, em situações de confronto. Ele relata que a maior parte dos disparos, neste caso, não acerta o alvo em uma situação real. O perito João Bosco exemplifica que uma coisa é o atirador fazendo o disparo em um estande de tiro, com o emocional equilibrado, focado e sem ninguém atentando contra sua vida. Outra situação, é um cenário de confronto, onde o atirador está desprevenido, com a adrenalina alta e ainda precisando se proteger de disparos feitos por um agressor. “Quando falamos de localização do tiro, é a concentração de disparos em um único ponto. Pode-se acertar o primeiro tiro e errar o segundo, devido ao recuo da arma, por exemplo. O próprio FBI trabalha só com 20% de acerto nos treinamentos deles, imaginem outros atiradores. Em muitas perícias aparecem um único tiro no corpo, mas quando na verdade, vários disparos foram feitos para atingir o alvo”, diz João Bosco. O professor relata que os mitos dentro da balística são tão comuns, que são usados até em provas oficiais da Polícia Federal. Ele diz quem em 2017, ao fazer uma prova de credenciamento no órgão, aproximou-se do coordenador e brincou que “bombaria” a prova devido à conceitos ultrapassados na avaliação. Isso mostra que ainda há um longo caminho a ser trilhado na desconstrução desses mitos.